terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Poder e igualdade

No comando mas sem igualdade

Reproduzimos o texto da jornalista argentina Matilde Sánchez, publicado no New York Times.
Sánchez aborda a questão do aumento significativo da representação política das mulheres na América Latina e ainda a questão do controle de natalidade e do aborto, tabu na maioria dos países do continente.



Buenos Aires


A eleição de Dilma Rousseff como presidente do Brasil gerou uma onda de euforia e colocou a América Latina na linha de frente da representação feminina na política mundial. A onda de mulheres eleitas presidentes vem, na verdade, dos anos 1990: Nicarágua, Chile e Panamá, aos quais se somaram na década seguinte Costa Rica, Chile, Argentina e agora o Brasil. Otimistas dizem que tal ascensão demonstra que as mulheres romperam o "teto de vidro" nesta região, onde o machismo ainda é disseminado.

A ascensão das mulheres às posições de poder é uma consequência direta das "leis de quotas" hoje adotadas por vários países da região, que preveem um mínimo de 30% de mulheres nos cargos eletivos. 

Segundo a mais recente pesquisa encomendada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Equador lidera, em termos de participação feminina no Parlamento, com mais de 25%, seguido de perto por Costa Rica, Argentina e Peru.

Mas a ascensão das mulheres não se reflete em todos os setores da sociedade. Embora elas representem 53% da força de trabalho na América Latina, segundo o BID, poucas ocupam os altos escalões nas empresas e nas finanças, e os salários ainda são bem inferiores aos dos homens. E, em outros campos que afetam o bem estar feminino, como adolescentes grávidas e violência doméstica, a região também está bem atrás.

Uma das questões complicadas que os argentinos ouvem dos turistas que visitam Buenos Aires é por que o aborto só é legal para deficientes vítimas de abusos sexuais ou em gestações de alto risco, se a Argentina se tornou o primeiro país latino-americano a permitir casamentos homossexuais. 

O casamento gay foi aprovado em 2010, e exatos seis países da região se preparam para seguir o exemplo. 

Já a Cidade do México descriminalizou o aborto em 2007. No final de 2008, o então presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, vetou uma lei sobre aborto que havia sido aprovada no Congresso.

Em agosto do ano passado, a Human Rights Watch relatou proporções alarmantes de abortos na Argentina: 4 em cada 10 gestações no país eram interrompidas, uma das maiores taxas na América do Sul, apesar de um novo programa governamental que oferece acesso gratuito ao controle de natalidade. Segundo as pesquisas mais recentes da Human Rights Watch, em média 20% de todas as gestações na América Latina terminam em aborto -dos quais 4,5 milhões são feitos ilegalmente, e a gestante morre em 21% desses casos. 

Algumas presidentes tentaram liberalizar suas políticas de gênero, mas isso fez delas alvos políticos. No Chile, Michelle Bachelet enfrentou forte oposição em seus esforços para oferecer gratuitamente a pílula do dia seguinte. Acabou tendo sucesso, em 2009, após quatro anos de luta. No Brasil, Dilma retirou suas declarações em favor do casamento homossexual e da descriminalização do aborto após sofrer duras críticas dos bispos e do papa Bento 16.

Nem sempre é possível contar com as líderes femininas na busca por políticas para as mulheres, disse Marta Lamas, antropóloga da Universidade Nacional Autônoma do México. "A lei de quotas não garante que as funcionárias cumpram uma agenda feminista", disse ela.

Lamas acrescentou que governos esquerdistas na região relutam em se voltar contra forças poderosas. "A Igreja Católica transformou sua luta contra o aborto em sua doutrina e bandeira, enquanto está claramente perdendo a batalha contra a homossexualidade." 

Marianne Mollmann, diretora de ativismo da Divisão de direitos femininos da Human Rights Watch, lembra que nem todas as mulheres são feministas, e nem todos os homens são misóginos. "Embora a representação política seja chave, ela nunca será suficiente para gerar igualdade", disse ela.

A verdadeira paridade de gênero na América Latina, ao que parece, não pode ser alcançada pelo voto. As razões históricas para isso são a cultura machista predominante na região, e suas poderosas estruturas patriarcais e familiares, aliadas à Igreja Católica.

Mas a influência do Vaticano não é total. Em toda a América Central, templos e púlpitos são fóruns para a difusão de mensagens políticas, e poucos candidatos correm o risco de se indispor com a Igreja. Mas, segundo Lamas, há sinais de "pseudorreligiosos". 

No México, por exemplo, 80% das mulheres em idade sexualmente ativa usam o controle da natalidade, mas, ainda assim, não deixam de se considerar crentes. 

Mesmo depois de fazerem abortos, disse ela, poucas se dispõem a falar publicamente a favor da descriminalização. "Não é dos padres que elas têm medo, é da condenação social. É claramente uma questão de dois pesos, duas medidas."

Em seu romance "El País de las Mujeres", a nicaraguense Gioconda Belli satiriza os papéis de poder em sociedades impregnadas pelo sexismo. Ela atribui o progresso a um forte arquétipo feminino: o da mãe em oposição à da mulher trabalhadora. "Paradoxalmente, esse machismo flagrante permitiu que as mulheres ascendessem a posições políticas relevantes", diz Belli. "A matrona latino-americana é poderosa, enquanto no mundo desenvolvido a dispersão e a disfuncionalidade das famílias diluiu o arquétipo materno."

O latino-americano pode estar preparado para ver suas mães como chefes de Estado, mas ainda não está pronto para vê-las como parceiras em pé de igualdade. 

Matilde Sánchez, editora do "Clarín" também escreve ficção. Envie comentários para intelligence@nytimes.com

Um comentário:

Anônimo disse...

O tema do aborto é complicado em todas partes do mundo.
Estava em meu aluguel temporada Buenos Aires quando se discutiu o assunto na Argentina.

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